Sobre gentileza, uma ex-freira inglesa e um autor peruano - 19 Mai 13

Uma semana de perna enfaixada e mais duas com bota ortopédica dão muito o que pensar.  A imobilidade física amplia as asas do espírito. Junte-se a estes ingredientes um domingo de chuva, jornais e revistas recém-chegados e é certo que a mente fará infinitas novas conexões. Assim, me beneficiei dos artigos de Martha Medeiros (Caderno Donna, “Quando eu estiver louco, se afaste“) e de Lya Luft (Veja, “Exercício de otimismo”) e fiquei matutando sobre a gentileza. Que belo verbo o matutar!

Lembrei das centenas de pessoas com quem cruzei ontem no Zaffari Higienópolis, e das peripécias que precisei fazer para não ser levada pela enxurrada. Como não posso dobrar o calcanhar direito – onde localizou-se a lesão – tarefas simples se tornaram um desafio. A lentidão de movimentos, no entanto, me aumentou a percepção, e o que vi, ou melhor, o que não vi, foram olhos. Não vi olhares, rostos, expressões. Ao sair, deduzi que todos os clientes haviam combinado que, ao entrar naquela área pública, automaticamente assumiriam feições e comportamentos robóticos. Colocando as compras no porta-malas, justamente estacionado na área reservada a idosos (quando você tiver uma lesão, vai agradecer à loja ter pensado nisso!), imaginei quantas vezes eu tinha feito a mesma coisa.
Pois a gentileza a que Martha se refere, por vias tortas, ao comentar as pessoas que fazem o que bem entendem e não se preocupam com os demais, me fez lembrar de uma palestrante inglesa que recebi em Porto Alegre recentemente. Mulher culta, escritora, viajada, não se cansava de lembrar a horripilante experiência que teve no Paquistão, como as pessoas se atrasaram, etc. Nem uma só vez falou em outro país, talvez tenha pensado que o Brasil se equivale ao Paquistão, que seria justa a comparação. Nenhuma palavra gentil daquela senhora me vem à lembrança, talvez porque minha sensibilidade registre com mais eficácia a gentileza real, aquela que se sente, e menos as atitudes polidas (estas sim aconteceram).

Lya, ao tratar das coisas boas que a vida nos dá, trouxe à mente outro palestrante, o adorável Mário Vargas Llosa, por quem me apaixonei em 2010, quando o acompanhei em Porto Alegre. Outros quatro dias entre São Paulo e Rio com Mário, mês passado, selaram o eterno amor. Platônico, diga-se, e certamente unilateral. Mário é polido, um gentleman, mas é também um ser empático, de uma suavidade encantadora. Capaz de criticar um jantar horroroso, e ao mesmo tempo rir-se com cumplicidade do flerte do garçom relapso com a atendente do bar. Não dá demonstração de merecer mais ou mais rápido que nenhum outro mortal, e espera na fila. Procura a janela mais próxima e tenta abri-la, para libertar uma estupenda borboleta azul, que entrou conosco, sabe-se de onde, no hall do Copacabana Palace.
Acredito que gentileza e empatia estão unidas, acho que são siamesas. Elas compõem uma tela indefinível a que eu chamo humanidade, esta que abre corredores estreitos num supermercado, deixa sementes de carinho e pode até engendrar a paixão, cria no coração um aquecimento momentâneo e, no entanto, perene.

Que coragem demanda esta humanidade! (Obrigada, Mário!)

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