Lembrei das
centenas de pessoas com quem cruzei ontem no Zaffari Higienópolis, e das
peripécias que precisei fazer para não ser levada pela enxurrada. Como não posso
dobrar o calcanhar direito – onde localizou-se a lesão – tarefas simples se
tornaram um desafio. A lentidão de movimentos, no entanto, me aumentou a
percepção, e o que vi, ou melhor, o que não vi, foram olhos. Não vi olhares,
rostos, expressões. Ao sair, deduzi que todos os clientes haviam combinado que,
ao entrar naquela área pública, automaticamente assumiriam feições e
comportamentos robóticos. Colocando as compras no porta-malas, justamente
estacionado na área reservada a idosos (quando você tiver uma lesão, vai
agradecer à loja ter pensado nisso!), imaginei quantas vezes eu tinha feito a
mesma coisa.
Pois a
gentileza a que Martha se refere, por vias tortas, ao comentar as pessoas que
fazem o que bem entendem e não se preocupam com os demais, me fez lembrar de
uma palestrante inglesa que recebi em Porto Alegre recentemente. Mulher culta,
escritora, viajada, não se cansava de lembrar a horripilante experiência que
teve no Paquistão, como as pessoas se atrasaram, etc. Nem uma só vez falou em
outro país, talvez tenha pensado que o Brasil se equivale ao Paquistão, que
seria justa a comparação. Nenhuma palavra gentil daquela senhora me vem à
lembrança, talvez porque minha sensibilidade registre com mais eficácia a
gentileza real, aquela que se sente, e menos as atitudes polidas (estas sim
aconteceram).
Lya, ao
tratar das coisas boas que a vida nos dá, trouxe à mente outro palestrante, o adorável
Mário Vargas Llosa, por quem me apaixonei em 2010, quando o acompanhei em Porto
Alegre. Outros quatro dias entre São Paulo e Rio com Mário, mês passado, selaram
o eterno amor. Platônico, diga-se, e certamente unilateral. Mário é polido, um gentleman, mas é também um ser empático,
de uma suavidade encantadora. Capaz de criticar um jantar horroroso, e ao mesmo
tempo rir-se com cumplicidade do flerte do garçom relapso com a atendente do
bar. Não dá demonstração de merecer mais ou mais rápido que nenhum outro
mortal, e espera na fila. Procura a janela mais próxima e tenta abri-la, para
libertar uma estupenda borboleta azul, que entrou conosco, sabe-se de onde, no
hall do Copacabana Palace.
Acredito que
gentileza e empatia estão unidas, acho que são siamesas. Elas compõem uma tela indefinível
a que eu chamo humanidade, esta que
abre corredores estreitos num supermercado, deixa sementes de carinho e pode até
engendrar a paixão, cria no coração um aquecimento momentâneo e, no entanto,
perene.
Que coragem
demanda esta humanidade! (Obrigada, Mário!)
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